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  • Ivo Loureiro

Um ano na base da Pirâmide do Futebol

Disclaimer: o objetivo desta publicação é partilhar uma experiência com pessoas que, tal como eu, têm um interesse muito especial no Futebol, tanto no jogo em si como em tudo o que acontece à sua volta para que a bola role o mais redonda possível.

Para os atuais padrões da internet e para attention spans cada vez mais curtos, tenho a consciência de que possa ser um conteúdo demasiado extenso para ser lido até ao fim por alguns. A esses, agradeço de qualquer forma a visita.

Aos realmente interessados no Futebol, mesmo no da "base da pirâmide", desejo uma boa viagem por este relato. Que valha a pena chegar ao fim.



- "Acabei de ser convidado para a equipa principal e o clube precisa de alguém como tu, podes vir?"

Quando, há pouco mais de um ano, recebi aquele telefonema do meu amigo Rui, acho que a minha resposta nos surpreendeu a ambos.

- "Conta comigo daqui a dois dias. Estou dentro."


Depois de ter passado a maior parte de 2019 a fazer um MBA em Espanha, tinha decidido passar um tempo no sudoeste do Alentejo para organizar a vida e definir os passos seguintes.

A experiência dos anos anteriores permitira-me ter uma visão e um conhecimento geral da indústria do Futebol bastante aceitável. O contacto diário com atletas de alta competição e seus agentes, com treinadores de topo, com clubes internacionais e (ou, talvez, sobretudo) com um dos principais pilares que sustentam a indústria - os media - acabara de ser complementado com a certificação académica do MBA em Gestão Desportiva no Club del Siglo, o Real Madrid.


Sentia a necessidade de ter algum estímulo diferente do que continuar o meu projeto a solo, cada vez mais centrado em gestão da comunicação de pessoas que me fizeram crescer e permitiram conhecer realidades tão incríveis e diferentes como as o Manchester City, do Olympiakos, do Lille ou do Dínamo Zagreb.

Relacionar-me com presidentes, directores desportivos ou headscouts de clubes de Champions e das grandes ligas europeias, percebendo os seus métodos de trabalho e motivações, foi importante para ter uma visão panorâmica da indústria do futebol bastante para além da área da comunicação, tal como para aprofundar o conhecimento do jogo em si.


Este percurso, numa indústria mais "normal" como a consultoria ou a banca (pelo menos para alguém que começou por se licenciar em Economia, como eu) provavelmente abriria oportunidades numa das Big Four ou, para alguém com espírito de risco e sem grandes obrigações familiares ou conjugais (como no meu caso, mais uma vez), daria suficiente balanço para continuar ou expandir um negócio próprio.

Apesar de ter sido abordado por empresas de agenciamento e por grupos de media com quem tinha colaborado, nenhum desses projectos me atraíra particularmente, pelo menos nesta fase da vida, tanto pessoal como profissional.


Como tal, decidira passar umas semanas no meu refúgio preferido, no litoral alentejano, e pescar - o misto de tranquilidade e adrenalina normalmente ajuda-me a pensar melhor.

"A pesca é muito mais do que apenas pescar"

Tudo, no futebol, me interessa ao detalhe. É desporto e é entretenimento, é jogo e é indústria. É quase inexplicável o gosto e a curiosidade que tenho por tudo o que faz com que a bola não entre por acaso. Vejo com a mesma atenção um City vs Leipzig para a Champions, um Famalicão vs Estoril para a Taça da Liga ou um Académica vs Tondela em sub 17.

Gosto de saber as estatísticas e de procurar padrões. Comparo realizações televisivas, os ângulos, as imagens e as repetições escolhidas. Interesso-me pelo jogo de audiências entre a Premier e a La Liga, entre a Sportv e a Eleven, entre a Netflix, a Amazon e todos os anteriores. Sigo o cada vez mais interessante FIFA vs Agnelli et alia e, no intervalo, espreito como os eSports piscam o olho ao Comité Olímpico Internacional (e sim, um dia também os jogos de computador serão, de alguma forma, "desporto olímpico").


Pelo meu perfil e, sobretudo, pelos meus drivers, uma posição junto à administração ou direção de um clube profissional seria um desafio cativante de certeza, fosse do lado do futebol propriamente dito, fosse mais do lado da gestão do negócio. Idealmente, uma posição que combinasse ambos, talvez? Eventualmente uma posição mais operacional numa instituição como a Federação ou a Liga, onde pudesse estar do lado da promoção da competição e do jogo em si?

A primeira resposta estava encontrada: estar do lado dos clubes ou do lado institucional parece-me cativante e motivador.


Enquanto a questão qual o passo seguinte ficava respondida e passava para a como é que me vou apresentar ao mercado e a quem exactamente, recebi o telefonema do Rui. Aceitei sem pensar muito e, confesso, nem sabia propriamente ao que ia.

E, apesar de hoje, mais de um ano depois, voltar a procurar a resposta à mesma questão e de, curiosamente, estar exactamente no mesmo sítio onde estava - no nosso tão bom Alentejo, onde o tempo realmente parece que pára - sei que a questão que deixei em aberto quando aceitei aquele convite é a acertada: como me apresentar ao mercado e a quem?


Apesar de ter um percurso que me permitu ter experiências, referências e um network relativamente interessante no meio, talvez o relato da vivência de um ano na base da pirâmide do futebol nacional seja uma melhor forma de dar a conhecer um pouco do meu trabalho e envolvimento numa realidade próxima de todos mas pouco conhecida por muitos de nós, que gostamos de Futebol para além do jogo em si.

Uma experiência num clube humilde, é certo, mas onde tive a oportunidade de pôr as mãos na massa e, de alguma forma, de colocar em prática muitas ideias. Uma experiência pessoal e profissional de que me quero lembrar um dia - e daí também este registo escrito.

Nem tudo foram rosas, conhecer a complexa realidade do Campeonato de Portugal e ver uma pandemia global a suspender as vidas de tanta gente que acaba por depender directa ou indirectamente deste nível semi-amador do futebol, foi duro.

Mas também deu para confirmar e desmistificar muitas teorias, tal como para aprender conceitos que não vêm nos livros nem que são, sequer, habitualmente falados ou alvo de debate público.

Isto com a pressão de resultados, de bocas de adeptos de teclado e com a cabeça do amigo que assumiu o cargo de treinador (e, por solidariedade, a minha própria cabeça) constantemente no cepo. Afinal, é futebol.


Este é o resumo do meu ano no Sacavenense, desde que o Mister Rui Gomes assumiu a equipa principal até ao momento da sua despedida, comigo ao seu lado, pouco depois de um jogo para a Taça de Portugal em que o clube recebeu, em pleno Estádio Nacional, o Sporting.


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Taça de Portugal vs Sporting, Jamor

Além da partilha da experiência pessoal, de conclusões e aprendizagens, publico ainda vários documentos que fui produzindo e que serviram de base à minha actuação no Sacavenense, clube do qual me mantenho sócio e simpatizante. A Lealdade é Um Brasão.

 

Campeonato de Portugal


O Campeonato de Portugal (CdP) não era novidade total para mim. Dado o meu gosto pelo jogo, assistia pontualmente a partidas daquele escalão ao vivo, mas o conhecimento da realidade da competição era meramente superficial. Só depois de um ano a vivê-la por dentro é que a consigo efectivamente enquadrar.


Há uma disparidade enorme entre os contextos, os orçamentos e as expectativas dos 96 clubes que tiveram direito a entrar na competição em 2020/21, reformulada após a abrupta interrupção da temporada anterior devido à pandemia.

Esta reformulação no quadro competitivo dará origem à criação da Liga 3 na temporada 21/22, um novo escalão entre o CdP e a LigaPro (o segundo escalão do futebol nacional, já profissional e organizado pela Liga de Clubes) que pretende ser a antecâmara para as ligas profissionais, actuando como filtro e servindo de preparação - e, já agora, também de teste - para esse nível competitivo e organizacional.


No Campeonato de Portugal competem três tipos de clubes: amadores, semi-amadores e profissionais. Acredito que a condição de profissional é mais absoluta do que a de amador, daí preferir a referência a "semi-amador" e não "semi-profissional". Na minha perspetiva, uma organização ou um clube que não é profissional a 100% é necessariamente amador ou, na melhor das hipóteses, semi-amador. Semi-profissional, sobretudo no futebol, é um erro.


Assim, distinguindo esses três tipos de clubes do Campeonato de Portugal:

  1. Profissionais: clubes com atletas, equipas técnicas e estruturas totalmente profissionais, com orçamentos anuais superiores a €300k e com ambições de chegar à II Liga ou, no mínimo, à Liga 3 já na próxima temporada. Apesar de serem vários os clubes com orçamentos bem superiores, considero este valor o mínimo necessário para reunir os recursos (humanos, legais e operacionais) que permitam andar na luta pela subida aos campeonatos profissionais. Os clubes que o conseguem estão, na sua maioria, dependentes de investimento externo e da constituição de SADs, apesar de esta não ser uma condição necessária, nem muito menos suficiente, para assegurar sucesso desportivo neste nível competitivo.

  2. Semi-amadores: clubes com parte do plantel e equipa técnica profissionais (no sentido de o futebol ser a sua única ou principal fonte de rendimento), com estruturas de apoio reduzidas e maioritariamente amadoras ou com profissionais a part-time. Os próprios Presidentes da Direcção acumulam frequentemente esse cargo com a Direcção Desportiva e os seus objetivos passam pela manutenção nas competições nacionais, embora muitos acreditem, de forma um tanto romântica, que podem ombrear com os clubes profissionais. Normalmente estão dependentes de investidores ou de mecenas privados e/ou de subsídios autárquicos.

  3. Amadores: clubes com plantel e generalidade da equipa técnica que recebe meros subsídios mensais (regulamentarmente, o estatuto de amador implica que a retribuição apenas possa cobrir os custos em que o atleta efetivamente incorre para representar o clube) e com uma estrutura directiva e de apoio extremamente reduzida, geralmente 4 ou 5 pessoas que acumulam várias funções verticais à organização e que é totalmente amadora. Muitas vezes com orçamentos bem inferiores a €100k/ano, as suas ambições desportivas apenas podem passar por lutar pela manutenção no CdP ou, num ano de brilharete (e porque, afinal, a bola é redonda), fazer uma temporada mais tranquila e acabar na primeira metade da tabela.

Apesar de a diferença entre os orçamentos mais alto e mais baixo do Campeonato de Portugal não ser, eventualmente, tão grande como na I Liga, por exemplo, a verdade é que as disparidades entre um clube profissional e um amador que competem no mesmo escalão são evidentes.

Como os seus atletas têm empregos ou ocupações durante o dia, muitos dos amadores treinam à noite, por exemplo, ao contrário dos clubes profissionais que treinam de manhã e, muitas vezes, também à tarde. Enquanto uns têm departamentos de scouting ou de comunicação e marketing com vários elementos a full-time, outros dependem de um "amigo do clube que até tem jeito para fotografia" ou de um "jovem que mexe bem no instagram" para gerir as redes sociais. Uns têm estágio em hotel na noite anterior ao jogo, outros juntam-se no campo duas horas antes do início da partida. Literalmente.


As diferenças são abismais e não se limitam, portanto, ao orçamento e à consequente capacidade para cativar talento. A desproporção de realidades nos clubes do Campeonato de Portugal é enorme e não se resume a aspetos meramente financeiros.

 

Atletas e Treinadores


A qualidade técnica individual de muitos jogadores do CdP e dos escalões profissionais é bastante próxima, embora se possam destacar duas grandes diferenças entre a generalidade dos atletas destes dois níveis competitivos: a "disponibilidade" e a "preparação".

Quanto à disponibilidade, refiro-me sobretudo a fatores mentais, à capacidade dos atletas lidarem com a adversidade, a dificuldade e a pressão, aprendendo com estas e transformando-as em motivação e rendimento extra. Os que o conseguem, ou têm maior disponibilidade mental para trabalhar este aspecto, têm maior probabilidade de dar o salto para o nível seguinte e chegar ao profissionalismo.


A segunda grande diferença entre os atletas dos escalões profissionais e os do CdP é a preparação, isto é, o tipo de treino a que são sujeitos.

Há equipas técnicas que, muitas vezes sem serem profissionais no papel, atuam efetivamente como tal, com planeamento, controlo e análise do trabalho colectivo e individual que permitem mais facilmente o desenvolvimento da equipa e, consequentemente, dos seus atletas. Métodos de trabalho com planos de treino específicos e acompanhamento individual dos atletas (físico, técnico e psicológico) começam a aparecer com frequência relativa no CdP.

A evolução do treino e dos treinadores portugueses tem sido notória nos últimos 10 anos, tendo a crescente partilha de conhecimento e de métodos de trabalho um efeito de contágio positivo que chega até à formação e à "base da pirâmide" do futebol nacional.


Há outras equipas técnicas, porém, ainda muito influenciadas pela "escola da velha-guarda" que, completamente desatualizadas com a evolução do jogo - e dos jogadores - limitam a evolução dos atletas com quem se cruzam.

Na verdade, as equipas técnicas que privilegiam aspetos físicos em detrimento dos técnicos ou psicológicos e para quem, por exemplo, a periodização tática é uma mera expressão sem sentido prático, acabam por constituir uma grande parte do mercado de treinadores do CdP. E como em 2021 são muito poucos os jogadores ou as equipas que ficam melhor com pré-épocas no mato e treinos preparados a la minute, uma grande parte dos atletas deste nível acaba por ver o seu potencial limitado ao jogo direto e a lutar por segundas bolas.


Mas há bons jogos, bons jogadores e bons treinadores que estão disponíveis e bem preparados. A tal sorte, palavra tão usada no mundo do futebol, é isso mesmo: quando a preparação encontra a oportunidade. E o Campeonato de Portugal é, efetivamente, o Campeonato das Oportunidades... para quem estiver preparado.


A questão da escolha do treinador e, antes mesmo disso, a própria escolha da organização do clube, com a definição de um organograma claro, com posições e processos devidamente delineados acaba por ser fundamental para o sucesso desportivo tanto de clubes como de atletas.

E tudo isto está naturalmente facilitado quando existe visão e capital disponível para profissionalizar de cima para baixo (ou seja, começando pela estrutura diretiva até aos atletas) e não de baixo para cima, como ainda é frequente encontrar no CdP: clubes com jogadores "profissionais" e estrutura diretiva e de suporte amadora - na verdadeira acepção da palavra.

 

Novo Quadro Competitivo


Certamente ciente destas disparidades, a FPF decidiu a criação da nova Liga 3 a partir de 2021/22, um escalão que obrigará os clubes que nela participarem a cumprirem uma série de requisitos e obrigações orçamentais, organizacionais e legais que os preparará para os principais escalões do futebol nacional.

A obrigatoriedade de constarem pelo menos 13 jogadores formados localmente em cada ficha de jogo desta competição sinaliza igualmente a vontade de promover jovens atletas nacionais.

Actualmente, o número de atletas estrangeiros no Campeonato de Portugal (que, relevo, é um campeonato maioritariamente "amador") é bastante elevado. PALOPs e Brasil são as principais origens destes atletas que jogam futebol no CdP de forma "amadora", chegando a constituir a maioria de vários plantéis.


Assim, no início da temporada de transição 2020/21, os 96 clubes do CdP foram divididos em oito séries de 12 segundo critérios geográficos e que se irão defrontar em sistema casa/fora numa primeira fase. Os primeiros classificados de cada uma dessas oito séries irão apurar, via play-off, dois clubes para subir ao segundo escalão (LigaPro) enquanto os restantes seis entretanto eliminados terão acesso direto à Liga 3 na próxima temporada.

Os clubes classificados entre o 2º e o 5º lugar na fase regular de cada série, irão passar a uma segunda fase em novo sistema liguilha casa/fora em que os dois primeiros classificados serão promovidos à Liga 3 e os outros dois irão manter-se no Campeonato de Portugal.

A manutenção no Campeonato de Portugal significa, na prática, uma descida de divisão, pois este passará a ser o 4ª escalão do futebol nacional a partir de 2021/22.

Também os clubes classificados entre o 6º e o 8ª lugares da fase regular asseguram automaticamente essa manutenção no Campeonato de Portugal 21/22, enquanto os últimos quatro classificados são despromovidos aos campeonatos distritais.



Resumindo, apenas dois dos 96 clubes conseguirão subir à LigaPro e vinte e dois participarão na Liga 3 na próxima temporada (dois de cada série via fase de acesso, aos quais se juntam os 6 primeiros classificados da fase regular que, entretanto, forem eliminados no sistema de play-off e que não conseguirem chegar à LigaPro). A estes, juntar-se-ão ainda dois clubes despromovidos da LigaPro no final desta temporada, completando 24 clubes na Liga 3 em 2021/22.


Ou seja, 75% dos 96 clubes em competição no Campeonato de Portugal 20/21 irá ser despromovido em 21/22, seja pela descida aos distritais, seja pela manutenção no Campeonato de Portugal que, por passar a ser o 4º escalão (Liga Portugal, LigaPro e Liga 3 serão os três primeiros), acabará por traduzir-se numa descida de nível na pirâmide do futebol nacional.

A competição, portanto, será acesa e até ao último minuto.

 

Sport Grupo Sacavenense


O Sacavenense é um clube histórico da zona de Lisboa, fundado em 1910 e com uma forte reputação na formação de atletas.

Com todas as equipas jovens nos principais escalões competitivos nacionais e ombreando na formação com Benfica, Sporting e Belenenses, o Sacavenense acaba por ser um clube que deteta, desenvolve e fornece talento para estes seus concorrentes e para outros de âmbito nacional: em média, todos os anos saem entre 10 a 15 atletas da sua formação para clubes com equipas seniores profissionais.

João Palhinha, Rui Fonte ou José Fonte (este campeão europeu por Portugal) são alguns dos nomes que passaram na formação do clube e competem hoje ao mais alto nível. Mesmo nos seniores tem passado talento por Sacavém, como o autêntico conto de fadas do atleta Nuno Borges, que aos 27 anos foi recrutado pelo Sacavenense nos distritais de Lisboa e hoje joga na I Liga, tornando-se entretanto internacional pelo seu país.


A equipa principal está há vários anos no Campeonato de Portugal, ora lutando pela permanência no terceiro escalão do futebol nacional, ora pontualmente fazendo um dos tais brilharetes e intrometendo-se na luta pelo acesso às divisões profissionais.

A estrutura diretiva do clube, apesar de reduzida e amadora, conseguiu tornar o Sacavenense num clube respeitado, modesto mas honesto, quase um oásis na realidade da base da pirâmide do futebol português.

Ao dia hoje, o clube continua a resistir ao investimento de privados. Num meio com vários casos de sucesso na constituição de SADs, continuam a aparecer todos os anos investidores-cowboy, SADs fantasma e empresários de bolso - Desp. Aves, Fátima, União de Leiria ou Beira-Mar foram alguns dos casos mais mediáticos. O clube continua a ser dos sócios e, se Uderzo fosse português, Asterix certamente jogaria no Sacavenense.


O orçamento da equipa sénior, um dos mais baixos do escalão, é cumprido à risca com as receitas provenientes dos alugueres de dois espaços no complexo desportivo (restauração), com a venda de publicidade no estádio a patrocinadores locais (cada vez menos e a sofrer com a crise económica decorrente da pandemia), com a formação (que, à semelhança da maior parte dos clubes, é paga até aos iniciados e se encontra parada também por conta da pandemia) e com a quotização proveniente das poucas centenas de sócios que ajudam o clube com dois euros e meio mensais.


As autoridades locais também fazem a sua contribuição, ainda que bem inferior à situação de outros clubes que têm na autarquia o seu principal patrocinador. Geralmente, o valor recebido pelo Sacavenense varia de acordo com o número de jovens atletas inscritos e federados, numa espécie de reconhecimento e incentivo ao papel social e de desenvolvimento do desporto que o clube tem ao nível local.

As receitas de bilheteira não chegavam, regra geral, para pagar a organização dos jogos em casa (entre taxas e policiamento) e a venda de merchandising era quase nula - porque a oferta era, também ela, praticamente inexistente.


A acrescentar a este cenário pouco animador, há ainda a prestação mensal que a direção do clube paga religiosamente em virtude do PER acordado há alguns anos e que acabou por salvar o clube da extinção, mantendo-o a operar nas mãos dos sócios.

 

A minha chegada ao clube


A primeira questão que fiz quando me apresentei à Direção do Sacavenense foi relativa às necessidades imediatas do clube. Procurei perceber quais eram, na perspetiva dos seus dirigentes, as áreas nas quais seria precisa uma atuação urgente.

Dada a necessidade iminente relativa à Comunicação e o meu à-vontade na área, assumi desde logo essa pasta. Num clube com poucos meios técnicos, humanos e financeiros e que compete num Campeonato de Portugal praticamente negligenciado pela imprensa, a gestão da comunicação resumia-se basicamente a gerir as redes sociais.


Aceitei a tarefa, embora não quisesse ser considerado o "homem da comunicação" ou o "tipo das redes sociais". Da minha experiência com outros mundos, tanto "o homem da comunicação" como "o tipo das redes" tendem a ter a sua importância nas organizações extremamente subvalorizadas, apesar de serem responsáveis por muito daquilo que é transmitido e percebido pelos públicos internos (atletas, colaboradores) e externos (sócios, adeptos, patrocinadores) e de terem por isso um papel fundamental, com implicações directas ou indirectas em praticamente todas as áreas do clube.


A minha motivação e disponibilidade para ajudar era mais abrangente. Assim, nessa primeira reunião ficou acordado que, para além da pasta da comunicação, iria desempenhar uma função hierarquicamente posicionada entre a equipa técnica e a Direcção, fazendo a ponte entre ambas.

Embora inicialmente não me tivesse sido atribuído um "título" em particular para a posição (nem era Director Desportivo, nem Team-manager, mas sim um mero "colaborador" no fundo), foi-me dado livre-trânsito em todas as áreas do clube, particularmente nas relacionadas com o futebol.


Análise


Procurei desde cedo ambientar-me e conhecer todas as pessoas do clube, assistindo à preparação dos treinos com a equipa técnica e visitando o posto médico, a rouparia e o balneário dos atletas todos os dias, aproveitando o livre-trânsito ao máximo.

Em paralelo, assisti à gravação de várias dezenas de partidas do Campeonato de Portugal, estudei as redes sociais e os sites de vários clubes, falei com amigos que conheciam o escalão e procurei perceber quais os benchmarks - quem é que andava a fazer as coisas bem, porquê e como as fazia.


"Se conheces o inimigo e a ti mesmo, não precisas temer o resultado de cem batalhas. Se te conheces, mas não conheces o inimigo, para cada vitória ganha sofrerás também uma derrota. Se não conheces nem o inimigo nem a ti mesmo, perderás todas as batalhas".

Sun Tzu

[Lamento o eventual cliché de citar o Sun Tzu, mas esta ficou-me na memória e assentava mesmo bem aqui...]


Desde o início que fui dos primeiros a chegar e dos últimos a sair. Ouvi as opiniões e o que tinham para dizer os diretores, os jogadores, o roupeiro, os sócios e adeptos, o senhor de oitenta e poucos anos que faz de speaker nos dias de jogo do Sacavenense desde os anos 70 - do século XX. Entender o contexto e as idiossincrasias do clube era fundamental.


Em condições ideais, uma análise externa com ferramentas PESTEL e Porter seria complementada com análise interna, SWOT, com a definição clara da visão e da missão do clube, o estabelecimento de objetivos e a criação de uma Estratégia.

Apesar de não haver tempo para fazer tudo isso de forma protocolar e de ter centrado muita da atenção inicial no apoio à gestão desportiva, tirei algumas conclusões gerais relativamente ao clube e à equipa:

  • apesar da privilegiada localização geográfica e envolvente demográfica, o distanciamento entre o clube a cidade era notório;

  • internamente, vários colaboradores estavam desmotivados, atletas incluídos, e reinava uma certa cultura de "deixar andar";

  • o "Velhinho", nome pelo qual é apelidado o clube pelos sócios e adeptos de sempre, também o era na prática: a base de dados de sócios só existia em papel, não havia qualquer software de apoio à gestão (desportiva ou financeira), as redes sociais estavam praticamente paradas, não havia website nem merchandising oficial para venda.

Partindo destas observações, defini três objetivos que procurei transmitir à direção, obtendo o seu apoio:

  1. "Profissionalização" - definir bem a organização e os processos, "recrutando" recursos humanos que garantissem a operacionalização da estratégia e o funcionamento do clube. As aspas usadas não são por acaso: este "recrutamento de profissionais" teria numa primeira fase de ser feito a custo zero, ou seja, passaria muito por motivar as pessoas certas para as funções certas.

  2. Modernização - lançar as bases para a transformação digital do clube e fazê-lo rejuvenescer nas áreas de comunicação, de apoio aos sócios e de vendas.

  3. Otimização e Aproveitamento - da Formação, aproveitando os atletas que se graduam dos juniores para o plantel principal; e da Reputação, cativando atletas "feitos" que conhecessem bem a casa e valorizassem "contas pequenas mas certinhas" e a Lealdade (palavra particularmente importante em tempos difíceis e com significado especial no Sacavenense).

Acabei assim por assumir responsabilidades transversais à estrutura, ajudando nas áreas da gestão desportiva, de operações e logística, de comunicação, marketing e comercial.

 

Temporada 2019/20


Há duas fases distintas relativamente à ação desportiva no clube: a primeira, que se inicia em Novembro, já com um terço do campeonato 2019/20 decorrido, e que prossegue até à paragem forçada em Março de 2020, pela pandemia; e uma segunda, porventura mais interessante e efetiva quando, a partir de Abril/Maio, se inicia o planeamento da temporada 2020/21, terminando no momento da saída, em Novembro.


Como seria de esperar, a chicotada psicológica que resultou na troca do treinador anterior e na chegada da nova equipa técnica (e na minha) ao clube era fruto de um momento desportivo difícil. A equipa estava a entrar numa zona perigosa de luta pela manutenção, não vencia há dois meses e as únicas vitórias anteriores tinham acontecido contra os últimos classificados da tabela.

Dediquei muito tempo a conhecer os jogadores, a assistir aos treinos e à sua preparação e a ver os jogos anteriores da equipa. A prioridade naquela altura era, por um lado, perceber se, tecnicamente, os atletas do plantel correspondiam ao nível necessário para construir uma equipa competitiva; e, por outro, entender as suas motivações para atuar ao nível da confiança e da coesão do grupo.


Era necessário uma rutura maior, um choque que complementasse a tal chicotada psicológica, até porque a nova equipa técnica acabara de ser promovida dos sub-19 do clube. Como tal, esteve sujeita desde o momento da apresentação a desconfianças internas e externas sobre a sua capacidade para liderar atletas seniores, sobre a sua potencial falta de experiência para um campeonato de homens de barba rija, e por aí fora.

Tanto nos bastidores como nas redes sociais, ouvia-se e lia-se de tudo.


Mas a verdade é que a Direção do Sacavenense sabia bem em quem estava a apostar. O treinador Rui Gomes e a sua equipa técnica estavam no clube há 2 anos e meio, tendo conseguido a melhor pontuação de sempre no escalão de sub-17 e subido os sub-19 à Primeira Divisão Nacional em 2019/20.

Entre estes feitos, conseguira potenciar vários atletas para as seleções nacionais e para clubes de maior dimensão, nomeadamente o Benfica e, sobretudo, o Sporting, que mantinha com o Sacavenense um protocolo na formação que lhe permitia ter acesso privilegiado à cantera do clube.

O Rui também conhecia bem o Sacavenense e era reconhecido por ser uma pessoa de bom trato e capaz de se reunir de gente capaz e ambiciosa. Na casa dos trintas, já trazia um nível de experiência considerável nos escalões de formação - passara pelo Sporting, Benfica e, claro, pelo Sacavenense com sucesso.


A sua equipa técnica era constituída maioritariamente por jovens saídos de algumas das melhores escolas de desporto do país, a quem delegava diferentes funções: desde o controlo e a filmagem do treino à análise de dados e vídeo, passando pelas medições e avaliação da evolução física de cada atleta, pelo trabalho específico de prevenção de lesões e reforço muscular, ou pelo scouting interno e de adversários ou de potenciais reforços futuros. Neste podcast (a partir do min. 11:00), um elemento da equipa técnica explica com algum detalhe a organização interna e muitos dos processos utilizados, bastante similares aos que conheci no futebol profissional.


Procuravam jogar um futebol atrativo, de progressão com bola no pé e transmitindo confiança aos jogadores. Fora de tal forma efetivo que o Sacavenense conseguiu mesmo chegar às páginas de alguns dos maiores jornais nacionais e internacionais com este golo que correu mundo.


Para completar a tal rutura com o passado recente, a equipa técnica e a direção acordaram na necessidade urgente de reformular o plantel e uma das minhas primeiras tarefas foi pesada para alguém acabado de chegar: informar alguns atletas da sua dispensa.

Uma coisa é ler uma notícia na imprensa que diz que determinado jogador foi dispensado, outra completamente diferente é estar sentado à frente de alguém e explicar-lhe que não terá mais hipóteses de jogar, sendo aquele o seu último dia no clube.

Enfrentei vários tipos de reações, umas mais nervosas do que outras, embora tenha facilitado o facto de, em todos os casos, o Sacavenense se ter prontificado a ajudar cada atleta a encontrar novo clube e, naturalmente, a saldar de imediato todos os compromissos assumidos.


À medida em que iam saindo atletas, era necessário trazer outros para o seu lugar e também tive responsabilidades nesse processo. Apoiando a equipa técnica e a direção no scouting de potenciais reforços, abordei e "negociei" com vários atletas que acabaram por se juntar ao clube. Mais uma vez, este "negociar" tem de ser aspado, porque estamos a falar de meros subsídios para cobrir despesas incorridas pelos atletas na representação do clube e não propriamente de salários.

Além do mais, não havia muito por onde efetivamente negociar. O orçamento era curto e era para cumprir.


Entre as dispensas de atletas por razões técnicas ou por necessidade de ajuste orçamental, foram onze os atletas que saíram, dos quais apenas dois prosseguiram de imediato a carreira no Campeonato de Portugal (curiosamente, as duas saídas por razões exclusivamente orçamentais). Para o seu lugar foram promovidos dois jovens dos sub 19 e chegaram outros nove atletas.

No início da temporada seguinte, destes novos onze que tinham integrado o plantel em 19/20, oito mantiveram-se no CdP (cinco destes no Sacavenense) e um assinou contrato profissional com um clube da I Liga.

A primeira conclusão é que o próprio mercado acabou por validar tanto as saídas como as entradas de atletas, ficando o plantel mais composto em termos de soluções para o treinador.


Dentro de campo, no entanto, o arranque não foi fácil. As diferenças de qualidade para clubes com outros argumentos eram notórias e os resultados demoraram a aparecer. A direção, no entanto, estava ciente da situação e, com várias intervenções junto do plantel, acabou por transmitir a confiança necessária para a equipa técnica conseguir pôr em prática as suas ideias.

O Sacavenense chegou a Março de 2020, altura da paragem forçada das competições, em crescendo, com uma melhoria notória na qualidade de jogo e uma sequência de 7 jogos com apenas uma derrota, o que, para uma equipa que lutava pela permanência, abria boas perspetivas para a recta final do campeonato.

No entanto, a pandemia entretanto chegou e, com ela, o final precoce da temporada 2019/20 e a manutenção administrativa de todos os clubes do Campeonato de Portugal exceto dois, que subiram à Liga Pro. O primeiro objetivo desportivo acabara cumprido.


O desempenho ao nível da gestão desportiva nesta primeira fase da minha passagem pelo clube, que durou cerca de 4 meses (de meados de Novembro de 2019 até Março de 2020), reflectiu-se sobretudo na actuação no mercado, no acompanhamento diário dos atletas e da equipa técnica e no suporte na organização da logística dos jogos, particularmente em casa.

Foi um excelente período de aprendizagem, que me permitiu ter um primeiro contacto com a área e lançar as bases para a efetiva preparação e estruturação da temporada seguinte.


Entretanto, chegou o confinamento obrigatório, as atividades no clube pararam de súbito e, com as instalações fechadas, o coração do Sacavenense (e dos outros clubes) passou a bater exclusivamente na internet.

Era altura de centrar esforços na comunicação e na digitalização do clube, pelo menos até a FPF anunciar o que aconteceria com o Campeonato de Portugal, o que viria a acontecer em Maio.

 

Pandemia - Restruturação


O confinamento de Março e Abril de 2020 foi aproveitado para pôr em dia vários assuntos do clube. Em primeiro lugar, procurei recolher informação, dados concretos, acerca dos sócios, adeptos e seguidores. A forma mais efetiva que encontrei para o obter foi através de um questionário publicitado nas redes sociais do clube.


Na altura, e como todos estávamos confinados, preparei um vídeo a explicar o processo, a mostrar os resultados e, sobretudo, com as minhas principais conclusões e recomendações para o futuro. Foi uma apresentação preparada para a Direção e para o Presidente em particular, no sentido de ajudar a que fossem tomadas decisões o mais informadas possível relativamente aos passos seguintes do clube.

As principais conclusões das centenas de respostas obtidas são apresentadas a partir do min. 12:30.



Se perguntarmos, as pessoas respondem... e envolvem-se.


Esta é, propositadamente, a primeira conclusão apresentada. Vejo um clube desportivo como uma organização com um papel social importante, que depende das pessoas e do meio em que opera, seja este de âmbito local, nacional ou à escala global.

Essa relação com o meio, que acaba por ser de dependência (afetiva e comercial) tem de ser procurada e estimulada tanto quanto possível pelos clubes. E a melhor forma de descobrir as necessidades e as expectativas do público continua a ser, obviamente, perguntando.

Ao serem inquiridos, os adeptos, os sócios, os atletas, os colaboradores acabam por fornecer uma série de informações relevantes e, simultaneamente, por se envolverem de imediato com o clube. Uma parte considerável do público que investe 10 ou 15 minutos a preencher um questionário, estará a demonstrar potencial de participar ativamente na vida do clube.


O passo seguinte será converter esse potencial de participação em novos sócios, novos colaboradores, novos secionistas ou diretores, novos clientes ou patrocinadores.

No entanto, o primeiro passo - do estímulo e da cativação - terá de ser dado pelo clube. Logo, o público atenderá.


Comunicação


A ideia que me tinha sido passada nos meses anteriores era a de que o público do Sacavenense era maioritariamente composto por pessoas com alguma idade, facto facilmente comprovado por uma vista de olhos na bancada principal em dia de jogo.

De facto, cerca de metade dos inquiridos respondeu ter mais de 40 anos e mais de um terço do total pertencia à faixa etária dos 40 aos 49 anos em concreto (min. 2:45 do vídeo).


A pensar nesta audiência em específico, a imagem e o tipo de comunicação foram adaptadas para transmitir um certo estilo revivalista de futebol retro.

O tema da História do clube foi abordado com maior frequência, reforçando valores nobres como a lealdade, palavra que compõe parte do Hino do Sacavenense e que passou a ser incluída em grande parte das publicações nas redes sociais, em particular no facebook, sendo igualmente pintada num local de destaque no Estádio.


Apesar de parte considerável dos adeptos e seguidores do clube serem boomers e genXs, a comunicação também foi adaptada para millenials e genZs. Não obstante as várias limitações na criação de conteúdo, houve um esforço para envolver os próprios atletas, dinamizando o instagram do clube e através criação de conta oficial no youtube e no twitter, com uma linguagem descontraída e num tom mais humorístico, sendo criada a hashtag #SacaBem.

Publicação de 1 de Abril, dia das mentiras

No total, o número de seguidores do clube nas redes sociais cresceu 42% entre Novembro de 2019 e Novembro de 2020, o que denota um enorme potencial de ainda maior evolução, com uma estratégia certa e os recursos técnicos e humanos adequados.


A criação e divulgação de conteúdo original que promova o clube e o seu principal produto - o jogo - deve ser considerada prioritária, independentemente do nível competitivo. Não havendo meios para tornar um clube deste escalão numa media house produtora de conteúdos para a(s) Netflix(s) como os grandes clubes mundiais, havia que aproveitar as armas disponíveis, começando pela criatividade.

 

Receitas e Modernização


As receitas dos clubes de futebol são normalmente dividas em três grandes grupos: broadcasting (receitas televisivas), comerciais (patrocinadores, vendas de merchandising) e de matchday (bilheteira de dia de jogo e corporate hospitality).


Mas os clubes do CdP não têm receitas televisivas - os poucos jogos transmitidos pelo Canal 11 da FPF não têm qualquer contrapartida financeira associada. O Canal 11 transmite o jogo e, em troca, os clubes recebem visibilidade e exposição nacional.

Caberia aos clubes conseguirem capitalizar essa exposição junto dos seus potenciais patrocinadores, no entanto tal tarefa não é fácil: as audiências são geralmente modestas e a maioria dos patrocinadores do clubes do CdP são empresas locais, logo pouco interessadas ou propensas a publicitar os seus produtos ou serviços em canais nacionais. Além disso, as transmissões são pontuais e muitas vezes definidas com poucos dias de antecedência, não permitindo grande margem de manobra aos clubes para prepararem acções específicas - que, mesmo assim, dificilmente seriam bem sucedidas.

Ainda assim, é de louvar a intenção demonstrada pela FPF de divulgar a competição através do 11.


Com a decisão de se jogar a temporada 2020/21 à porta fechada devido à pandemia, as receitas de bilheteira passaram de poucas a virtualmente nenhumas. Assim, no sentido de garantir que o principal produto do clube - o espetáculo desportivo - continuaria a chegar ao público, os jogos em casa passaram a ser transmitidos online no facebook do Sacavenense (a pandemia acelerou a tendência de generalização de OTT, até neste nível do desporto) .

A produção é garantida por uma jovem equipa da zona que assegura filmagem, comentários e transmissão com uma qualidade bastante acima da média. Os custos da transmissão, inicialmente suportados pelo clube, passaram posteriormente a ser cobertos por patrocinadores locais.

O número médio de visualizações dos jogos, incomparavelmente superior ao de bilhetes vendidos antes da pandemia, permitira por um lado a monetização destas transmissões através dos match sponsors e, por outro, a própria valorização dos patrocínios estáticos no estádio, que obtêm bastante maior visibilidade e alcance - um excelente exemplo da importância de ter acesso a data e a capacidade de a monetizar.

Para o sucesso das transmissões muito contribuíram as reuniões e a preparação pré-jogo, que frequentemente incluiu a conferência de imprensa do treinador, e aspetos mais técnicos, como a utilização de grafismos em sintonia com os usados nas redes sociais do clube (cores e fonte específicas, por exemplo), a capacidade de transmitir repetições de lances e dos melhores momentos do jogo (mais de 90% das transmissões online no CdP não o conseguem fazer em tempo real), bem como a apresentação de estatísticas ao intervalo e no final.

Entretanto, a equipa de produção foi convidada para fazer transmissões online de jogos de outros clubes, nomeadamente da Seleção Nacional de Moçambique, e o produtor, cujo trabalho recomendo, pode ser contactado aqui.


Estádio


A grande maioria dos estádios nacionais não serão locais de turismo ou peregrinação em massa, mas atraem várias centenas ou milhares de pessoas todas as semanas. No caso do Sacavenense, entre atletas, jovens da formação e os seus familiares são milhares as visitas semanais ao complexo desportivo, que acaba por estar adjacente a um espaço comercial importante na zona: grandes superfícies, restaurantes, uma grande oficina automóvel, um ginásio, etc..

Além de eventuais patrocínios, a criação ou reconversão de espaços no estádio que permitissem aproveitar esse fluxo diário de pessoas poderiam trazer novas receitas: salas de ATL para os jovens da formação e uma clínica de fisioterapia aberta ao público mereceram as preferências dos inquiridos.

No entanto, e apesar desta sugestão ter sido largamente validada no questionário, ambas as opções requereriam investimento nas infraestuturas, ficando, por ora, em stand by.


O fundamental é perceber que o estádio, como maior ativo tangível de muitos clubes, pode e deve ter uma rentabilização que exceda a mera realização de treinos e de jogos, aproveitando o fluxo de pessoas que o frequenta regularmente para angariar receitas adicionais.


Parcerias e patrocínios


Dados os hábitos de consumo e as preferências do público que se desloca com frequência ao complexo desportivo, haveria potencial para desenvolver relações com o comércio circundante. Seja com visibilidade através de publicidade estática, seja com acesso direto ao público do Sacavenense, ou mesmo disponibilizando dados (demográficos, de hábitos de consumo, de contacto), são várias as formas de poder interessar as empresas circundantes no público do clube.

As centenas de atletas da formação do Sacavenense reflectem-se num número bastante superior de mães, pais, avós, tios, padrinhos, etc., que se deslocam todas as semanas ao seu complexo desportivo.


Tudo começa por entender que um patrocínio não pode ser considerado mecenato, mas sim uma relação que deverá abranger aspetos comerciais, de marketing e PR (posicionamento e exposição) e mesmo até de eventual afectividade dos decision makers, no caso.

É fundamental definir targets e preparar abordagens "um para um" com eventuais patrocinadores, percebendo o seu modelo de negócio e procurando a melhor forma de poder satisfazer as suas necessidades ou ajudar ao seu negócio. Além disso, a gestão da relação durante o ano, garantindo ativações dos patrocínios e assegurando a monitorização de resultados acabará por ser essencial para que essa relação continue para a temporada seguinte, até porque o custo de aquisição de novos patrocinadores é bastante superior ao da manutenção dos existentes.


Sócios e adeptos


Os sócios acabam por assumir um papel fundamental num clube cujas fontes de receitas são diminutas e, muitas vezes, voláteis. As quotas pagas constituem uma "almofada" que ajudam a fazer face aos custos fixos e, na prática, representam uma fonte de receita relativamente garantida e estável ao longo de vários anos, pelo que a sua manutenção e posterior expansão deverá ser prioritária para qualquer clube.

Além do seu impacto nas receitas, um maior número de sócios é sinal de vitalidade, de envolvimento da comunidade e, claro, de maior relevância social do clube e, logo, de maior potencial comercial - todo um ciclo virtuoso.


O perído do primeiro confinamento foi aproveitado para atualizar e digitalizar a base de dados de sócios. Mais importante do que facilitar o controlo dos pagamentos de quotas, este projecto terá sido fundamental para a criação de uma base de dados passível de melhorar o serviço prestado aos associados e com o potencial de ser alavancado comercialmente, aproveitando o valor da informação recolhida como commodity de elevado valor.


Na sequência da obtenção de várias dezenas de contactos através do questionário e do subsequente follow-up via email, o número de sócios pagantes do clube cresceu na casa dos dois dígitos durante o confinamento.

Parte do valor das novas quotas angariadas foi aplicado na otimização do processo de impressão de cartões de sócio, que passou a ser imediato e com novo design.

Uma estratégia eficaz de gestão de sócios de um clube de futebol deverá ter por base os modelos de negócio de subscrição (como a Netflix, o Spotify ou o The Athletic, por exemplo), em que os clientes pagam mensalmente uma fee (neste caso uma quota) em troca de acesso a algo - normalmente a um serviço, a informação ou a um produto.

Para a maioria das empresas com este tipo de modelo de negócio, o lado mais negativo é a necessidade de um forte investimento em marketing na angariação de novos subscritores, que leva vários meses a recuperar. Mas uma vez que o cliente esteja subscrito (ou associado, no caso dos clubes), a entrada regular de capital estará garantida enquanto as suas necessidades e expectativas forem correspondidas.


No desporto, dada a importância de fatores emocionais inerentes, muitas vezes os sócios dos clubes esperam apenas que a sua contribuição (a quota) seja retribuída com o sentimento de pertença a um grupo, neste caso a um clube, do qual se podem orgulhar - pelos resultados desportivos, pela representatividade regional ou pelo seu papel e relevância social positiva, por exemplo.

A crescente adoção de modelos de Responsabilidade Social Corporativa no desporto, quer em clubes quer em instituições (o melhor exemplo será o da NBA) sinaliza a relação positiva da sua prática com aspectos como a reputação social, importante para a captação de novos patrocinadores e, naturalmente, de associados.


Para além de acções integradas neste tipo de modelo, que deverão ser divulgadas e do conhecimento público, a definição de uma estratégia de gestão dos sócios actuais (muito focada numa comunicação bidireccional) com os seus direitos e privilégios devidamente definidos e publicitados, deve preceder e servir de base a campanhas posteriores de angariação de novos sócios.


Merchandising


A procura de merchandising do clube manifestada no questionário também foi respondida, com a criação da primeira loja online do Sacavenense em parceria com o representante nacional da Adidas, que passou a ser o seu fornecedor de material oficial.

Os resultados obtidos nas respostas ao questionário quanto aos preços que os inquiridos considerariam "justos" para o merchandising foram decisivos para o estabelecimento dos PVP, ajudando a que, para além de camisolas, as vendas de cachecóis do clube tenham sido bem sucedidas.

Sendo um dos objetivos maximizar o lifetime value do consumidor, muito do sucesso comercial passará por estimular compras repetidas, apenas possíveis se aquele sentir que paga o preço justo em cada aquisição (não tentar ganhar tudo de uma vez é fundamental).


A disponibilização de merchandising do clube para venda era o primeiro passo, mas garantir a sua distribuição online e física seria igualmente importante: ter uma pequena loja no complexo desportivo (ou equivalente, onde qualquer pessoa possa adquirir na hora material oficial) e uma loja online, idealmente no site, seriam as prioridades.


Digital


Foram adquiridos os domínios .pt e .com do clube, permitindo desde logo que os e-mails oficiais deixassem de ser @gmail, dando algum "ar" de profissionalismo e de credibilidade. Simultaneamente, foi subscrito um serviço da plataforma emjogo.pt (empresa portuguesa que também recomendo) que permite a integração de vários módulos de gestão, nomeadamente do website (e que inclui a possibilidade de vendas online), da base de dados de sócios e mesmo um módulo de apoio à gestão desportiva que a FPF recomenda para a importante Certificação da formação do clube.


O momento da minha saída do Sacavenense coincidiu com a última fase de implementação da plataforma, ficando praticamente apenas a faltar a publicação e o lançamento oficial do site, que permitirá que o clube esteja de portas abertas ao público de forma permanente e apto a explorar novos canais de venda, enquanto recolhe ainda mais informação sobre os seus visitantes.


Temporada 2020/21 - Organização Interna


A preparação da temporada 20/21 iniciou-se em Maio, com a continuidade do treinador assegurada e com a redefinição do organograma do clube para algo mais próximo daquilo que, de forma simplificada, entendia ser necessário.

Esta estrutura, embora com algumas nuances, implicou a criação de três novas posições:

  1. um Team-manager - alguém próximo da equipa e da equipa técnica, com responsabilidades diárias de planeamento, operacionalização e na logística; e que assegurasse o cumprimento de todos os regulamentos e que todas as condições estariam garantidas para a realização dos treinos e dos jogos;

  2. um Director Desportivo - alguém com conhecimento interno e da envolvente, com a responsabilidade de coordenar todo o futebol do clube, atendendo às necessidades do treinador principal (e actuando tão próximo quanto possível deste) e do team-manager; representando o clube no mercado de atletas com o suporte de um departamento de scouting e análise gerido por si em cooperação com o treinador principal; e garantindo a transição de atletas da equipa júnior para a equipa principal, complementando o trabalho do coordenador da formação;

  3. um Director Executivo - alguém com responsabilidade junto da administração ou direcção quanto à operacionalização e controlo permanente da estratégia desportiva, comercial, de comunicação e marketing, logística.

Para mim ficou reservada esta posição mais transversal e executiva, sendo inscrito na FPF como Director. Apesar de inicialmente ter sido convidado para assumir a função de Director Desportivo, as minhas funções acabavam por ser mais abrangentes e a posição, pela sua importância, exigiria uma pessoa dedicada em exclusivo.

Era necessário que a posição de Director Desportivo fosse preenchida por alguém com efetivo conhecimento de atletas e da realidade desportiva dos clubes do Campeonato de Portugal - que eu efetivamente ainda não tinha - e experiente no meio, com capacidade de organização e de liderança e, acima de tudo, capaz de garantir a defesa incondicional dos interesses do clube. Esta seria (mais uma) posição não remunerada, pelo que a disponibilidade, a integridade e a seriedade seriam critérios decisivos.


Felizmente, e apesar de os critérios serem apertados, foi possível encontrar a pessoa certa para a posição de Director Desportivo, tendo sido uma função que acumulei interinamente apenas até à sua chegada e integração na estrutura.

 

Direção Desportiva


Os membros da equipa técnica tinham aproveitado o confinamento para assistir a jogos de todas as equipas do CdP da temporada anterior, bem como muitos das divisões inferiores de Lisboa e das regiões contíguas. A informação recolhida e os relatórios produzidos possibilitaram a criação de uma base de dados de dezenas de atletas potencialmente interessantes para o clube.

Uma das utilidades da adoção do software de gestão desportiva emjogo.pt seria desde logo a manutenção de toda esta informação relevante na posse do Sacavenense. Na ausência de recursos para a criação de um departamento de scouting exclusivo do clube, seriam assim minimizados os efeitos colaterais das mudanças de treinadores e equipas técnicas, nomeadamente o da perda de informação importante para a direcção desportiva e mesmo para os treinadores seguintes.


A acrescentar à informação produzida pela equipa técnica relativamente a atletas, a Direcção estava em funções há vários anos, o que permitia um conhecimento empírico, mas relevante, da base de potencial recrutamento. Assim, foi constituído um plantel-sombra, com os atletas categorizados por posição e ordenados hierarquicamente por prioridade e por "nível de acessibilidade", tendo em conta fatores como as potenciais expectativas desportivas e económicas ou mesmo a distância física entre o seu clube na temporada anterior e Sacavém.


Dado o clima de incerteza económica e desportiva, no entanto, o orçamento para a equipa teria de ser ainda mais reduzido do que na temporada anterior, deixando o Sacavenense como um dos 96 clubes da competição com menor capacidade para atrair atletas.

Não era propriamente novidade, até porque ninguém ia jogar para o Sacavenense por dinheiro. A atratividade do clube resumia-se a duas outras razões: a oportunidade de competir no Campeonato de Portugal (o último degrau competitivo antes do profissionalismo) e/ou por se sentirem bem a jogar futebol num clube familiar, onde os compromissos assumidos, ainda que modestos, eram efetivamente cumpridos.


A forte restrição orçamental limitava também as reais ambições desportivas para a temporada. Longe da disponibilidade financeira da esmagadora maioria dos competidores na sua série, a manutenção no Campeonato de Portugal seria o primeiro objetivo. Ainda assim, como os lugares acima do 5ª classificado dariam acesso a uma segunda fase de competição pela subida à nova Liga 3, essa seria a máxima aspiração que, embora possível, realisticamente seria bastante difícil.


Assim, ficou desde logo definido que o plantel seria tendencialmente formado por jogadores que já tinham passado no clube (de quem se poderia projetar o rendimento com maior grau de certeza) e por jovens atletas a quem seria dada a oportunidade de se "graduarem" da formação do clube, integrando a equipa sénior. No final de composto o plantel, e no caso de haver eventuais posições em aberto, aí sim, poderiam ser alvo de incursões no mercado.


Definidos os objetivos e os meios, foi preparada para cada atleta uma apresentação do projeto do clube, explicando as condições de organização e económicas para a temporada, mas sobretudo focado na vertente desportiva e no papel que era esperado que cada um representasse em cada um dos três sistemas de jogo que seriam trabalhados durante a temporada, previamente definidos pela equipa técnica em sintonia com a Direção .


Página integrante do Projecto Desportivo

Definidos os perfis necessários para cada posição de cada sistema de jogo, passou-se à fase de composição efetiva do plantel. No total, o plantel acabou composto por 12 jogadores que transitaram da equipa que terminara a temporada 2019/20, 6 atletas regressados ao clube de épocas anteriores, 4 juniores promovidos à equipa principal e 3 "novas" entradas.

O lema A Lealdade é um Brasão foi também incorporado na política desportiva do Sacavenense. Dos 25 atletas que iniciaram a época, 22 já tinham vestido a camisola do clube no passado, deixando Direção e equipa técnica confiantes que seria possível fazer uma boa temporada.


Incentivos


Assumindo que se manteria a elevada correlação positiva verificada em temporadas anteriores entre o nível de receitas e os resultados desportivos (quanto melhores os resultados, mais as vendas de merchandising, maior atratividade para patrocínios, mais bilhetes vendidos) foi aplicado um sistema de bónus para os atletas que serviria de incentivo extra - mais uma vez, modesto mas honesto.

Este sistema premiava regularmente o plantel de acordo com o número de pontos conseguido em determinado período definido previamente (um ciclo de x jogos), sendo particularmente incentivadas as sequências de resultados positivos, com o prémio a crescer exponencialmente com bons resultados conseguidos consecutivamente ao longo do ciclo.


Um primeiro objetivo deste prémio era naturalmente premiar a boa performance desportiva da equipa, com a atribuição de bónus a partir de certo número mínimo de pontos, tornando-o crescente. Depois, era importante que fosse alcançável por qualquer jogador do plantel mas que refletisse simultaneamente a contribuição de cada atleta para a equipa, sendo a sua divisão proporcional ao número de presenças nas convocatórias de cada ciclo.

Os bónus individuais por golo, por clean sheet, ou simplesmente por presença em jogo distorcem frequentemente os incentivos coletivos, pelo que foi decidido premiar os resultados da equipa em primeiro lugar e logo fazer a sua partilha individual de acordo com o número de presenças nas convocatórias.

Foi definido que, em termos individuais, os atletas deveriam competir internamente por um lugar na convocatória, estando a partir daí habilitado a um prémio - desde que a equipa ganhasse. Um objetivo secundário seria minimizar a azia de quem tivesse menos minutos de jogo que, desde que a equipa mantivesse bons resultados (e esta era sempre a prioridade), teria direito a bónus - e, claro, desde que trabalhasse o suficiente para merecer presença nas convocatórias.


O facto de os prémios serem calculados periodicamente, independentemente do ciclo anterior ser positivo ou negativo, garantia um restart regular e a existência de múltiplos checkpoints durante todo o campeonato, tendo sido aceite com entusiasmo pelos atletas.


Regulamento Interno


Para uma clara definição das regras e dos procedimentos desde o início, foi fundamental a redacção de um Regulamento Interno, dos quais constavam:

  • as disposições gerais e normas de conduta pessoal e actuação em treinos e jogos, deslocações e refeições em equipa;

  • os direitos e deveres dos atletas e dos capitães de equipa em particular;

  • as acções disciplinares;

  • as recomendações e normas para a comunicação e para a utilização de tecnologia (contacto com a comunicação social, utilização de redes sociais, etc.).

Como é um tipo de informação raramente conhecida pelo público, aproveito para disponibilizar uma versão pessoal de um Regulamento Interno (para mais fácil edição posso enviar o ficheiro em .doc por e-mail), num documento que naturalmente variará consoante a realidade de cada clube e, mesmo dentro de cada um, poderá ser ajustado em cada temporada.

É um documento que deverá ter o contributo de várias pessoas na sua redacção, desde o treinador ao team-manager, ao director desportivo e aos próprios atletas, porque pretende ser um guia de actuação para a defesa do grupo e do clube.

A linguagem mais "formal" do mesmo pretende transmitir a sua importância, sendo a última página um mero proforma que atesta a sua aceitação pelos atletas e o compromisso de actuação em conformidade.

 

Percurso desportivo


Com a estrutura do clube definida, processos estabelecidos e o plantel composto, a temporada iniciou de forma positiva. Duas vitórias no campeonato (contra um adversário directo e outra na casa de um candidato aos primeiros lugares) e a passagem nas duas primeiras eliminatórias da Taça de Portugal transmitiam confiança ao grupo.

O processo de digitalização estava em curso, a comunicação do clube merecia cada vez melhor engagement (mais e melhores conteúdos nas redes sociais, destaques pontuais na imprensa desportiva nacional e o lançamento bem sucedido da SacaTV com transmissões em directo e um canal no youtube) e poder-se-ia começar à fase de consolidação do processo de angariação de receitas.

No entanto, este período foi subitamente interrompido com o sorteio da III eliminatória da Taça de Portugal: o Sacavenense iria ter como adversário o Sporting Clube de Portugal.


Esta era uma oportunidade incrível para o clube, não só em termos financeiros (muito provavelmente, as receitas do jogo permitiriam cobrir mais de metade do orçamento total para a temporada), mas também para os atletas que poderiam jogar contra muitos dos seus próprios ídolos e uma experiência única para os sócios e adeptos do Sacavenense, que veriam o clube a defrontar um grande português, ainda por cima em casa.


Mas este acabou por ser o primeiro foco de instabilidade que senti no clube: como não poderiam haver adeptos nas bancadas e o Estádio do Sacavenense não tinha um nível de iluminação suficientemente forte para garantir a transmissão televisiva, o jogo teria de ser disputado noutro local.

Desportivamente faria todo o sentido jogar em Sacavém, onde o relvado sintético e as medidas do próprio campo iriam dificultar certamente o jogo do adversário e equilibrar a balança competitiva. Mas isso implicaria que o jogo não fosse transmitido na televisão, tendo o Sacavenense de abdicar de uma verba importantíssima, ainda por cima impossibilitado de ter qualquer receita de bilheteira porque a partida teria obrigatoriamente de ser disputada à porta fechada.


O palco escolhido para o jogo foi, então, o Jamor. Era uma solução financeiramente viável e que permitiria aos atletas do Sacavenense poderem viver uma experiência única: receber aquele que para muitos era o melhor Sporting dos últimos 20 anos (líder do campeonato e com um futebol ofensivo e entusiasmante) em pleno Estádio Nacional.

O período inicial de algumas críticas, na sua maioria provenientes de comentários descontextualizadados ou desinformados, dissipou-se depois de uma rápida actuação nas redes sociais e na imprensa.


A comunidade juntou-se em redor do clube, as vendas de camisolas e cachecóis aumentaram e a onda de positividade só não foi maior porque ter-se-á transformado, pelo menos parcialmente, em ansiedade: um empate (num derby fora de casa) e duas derrotas (uma contra o maior favorito a ganhar a série e outra contra um adversário directo, também fora) abalaram o espírito do grupo e da estrutura antes do jogo com o Sporting.


Recepção ao Sporting CP no Estádio Nacional


Para um clube totalmente amador e com recursos humanos bastante limitados, a organização de um jogo contra um clube grande seria sempre um teste dificílimo.


A organização dos jogos em casa tinha sido reestruturada desde o início da temporada, seguindo à risca as indicações da FPF e os Planos de Contingência. A melhoria da experiência de dia de jogo seria prioritária mais tarde, para quando o público pudesse voltar a aceder às bancadas, mas desde logo foram introduzidas melhorias nos procedimentos e pequenas atenções para os atletas, os árbitros e mesmo para a equipa e staff adversários.

As alterações incluiram pequenos detalhes como a substituição dos velhinhos CDs de música que passava nas colunas do estádio por playlists pre-match e outras dedicadas em específico ao aquecimento dos jogadores, com os timings e ritmos alinhados ao segundo com o plano de aquecimento, em sintonia com a equipa técnica.


Felizmente, mesmo quando o resultado não era positivo, a organização e a game-day experience nos jogos no Elias Pereira foi frequentemente elogiada, mesmo pelos adversários.


Mas a partida com o Sporting seria disputada numa casa emprestada, desconhecida e bastante maior do que o Complexo Desportivo Elias Pereira. Teriam acesso ao estádio do Jamor dezenas de jornalistas e repórteres da rádio, outras dezenas de jornalistas da imprensa escrita, mais algumas dezenas de fotógrafos, técnicos de montagem, polícias, bombeiros e ARDs, todos com diferentes níveis de acesso e sujeitos a controlo nominal e permanente.

Para terminar, o jogo teria transmissão em directo e simultânea em dois canais televisivos (Sportv e TVI) e iria decorrer em período de plena pandemia, com uma série de directrizes e regulamentos especiais e planos de contingência novos que seriam observados ao detalhe pela Federação Portuguesa de Futebol.

A responsabilidade era, por tudo isso, enorme.


Mas, antes de planear a organização do jogo em si, a prioridade foi organizar a semana e o dia da equipa, com o objectivo de preparar o melhor possível a parte desportiva e de, simultaneamente, poder proporcionar aos atletas um dia único.

A um treino matinal no dia de jogo, seguir-se-ia o almoço e a entrada num hotel em Lisboa (fruto de um patrocínio que envolveu a permuta de publicidade), onde os atletas estariam recolhidos e poderiam descansar até à palestra do treinador. Com o jogo a iniciar-se às 21H15 numa segunda-feira, vários atletas trocaram turnos nos seus trabalhos ou garantiram aulas de subsituição para poderem estar presentes no Jamor - todo o plantel foi convocado e teve direito a uma experiência diferente naquele dia.

Depois da palestra no hotel, o autocarro da equipa, devidamente caracterizado com as cores e o símbolo do Sacavenense, iria ser escoltado por batedores da PSP para o Jamor, onde o balneário estaria montado e preparado para receber a equipa.


O controlo da logística da equipa seria acompanhado pelo Director Desportivo (que coordenaria, com a sua experiência e método, o trabalho do Team-Manager), podendo eu ficar concentrado na organização do jogo em si:

  • articulação com a empresa responsável pela produção televisiva;

  • contacto com a comunicação social;

  • credenciação;

  • contacto com o IPDJ (que gere o Estádio Nacional) e restantes instituições envolvidas - FPF, Sporting, PSP, Bombeiros e empresa de segurança privada (ARDs);

  • patrocinadores da competição (Santa Casa, Olivedesportos) e do Sacavenense.

O Sacavenense teve direito a explorar a segunda linha de publicidade à volta do campo (a primeira estava reservada para os patrocinadores oficiais da Taça de Portugal), pelo que foi internamente montada uma task-force com o contributo de elementos importantes da direcção com a responsabilidade de assegurar que esse espaço fosse monetizado.

Depois de muitas horas de trabalho, que incluíram a angariação de patrocinadores, a produção e montagem de placards e, naturalmente, a devida facturação e recebimento dos valores acordados, a segunda linha de publicidade no Jamor foi preenchida por empresas parceiras do clube, garantindo um importante encaixe financeiro adicional.


O jogo com o Sporting apresentava uma excelente oportunidade para dar visibilidade ao clube, aos atletas e às pessoas que mantêm o Sacavenense em actividade nos dias de hoje, mais de 110 anos depois da sua fundação. Assim, o interesse dos media foi alavancado em várias dezenas de entrevistas, peças televisivas e participações em programas de rádio nacionais.

O "protagonismo" foi sendo alternado entre o Presidente e Vice-Presidente, os atletas (7 deles foram entrevistados) e o treinador principal (várias entrevistas e participações em programas televisivos). Também o Director Desportivo e o Team-Manager tiveram oportunidade de representar o clube em entrevistas com a imprensa, a quem foi igualmente dado a conhecer algumas histórias mais castiças, como a do speaker de 84 anos que foi ao Jamor.


RTP, Canal 11, TVI, Sportv, MaisFutebol, Record, O Jogo, A Bola, Diário de Notícias, Rádio Renascença, Agência Lusa foram alguns dos meios de comunicação social que acompanharam a semana que antecedeu a partida, a quem foi dada a maior atenção possível, com briefings antes do seu trabalho e naturais follow-ups até à publicação de cada peça ou artigo.


A atenção à Comunicação Social continuou no dia da partida: cada jornalista presente recebeu um exemplar de um Programa de Dia de Jogo, uma edição comemorativa do evento e cuja venda gerou receita complementar para o clube.

O tipo de letra utilizado, as imagens, as cores e os textos foram escolhidos de acordo com os tais princípios de revivalismo do futebol retro que procurei transpor para a comunicação do clube.

Este Programa de Dia de Jogo serviu vários objetivos: a criação de um elemento comemorativo associado ao jogo e que pudesse fazer parte do arquivo histórico do clube, a angariação de receita extra e, por último, ajudar ao trabalho dos profissionais da Comunicação Social no Jamor que, naturalmente, não tinham acesso ao nível de informação adequado acerca do clube e dos atletas do Sacavenense para as suas narrações, relatos, comentários e crónicas.

Foram vários os agradecimentos e comentários positivos de jornalistas a esta iniciativa que, com um budget muito reduzido, conseguiu ter um impacto considerável.


A segurança e o controlo de acessos ao Complexo do Jamor foram das tarefas mais exigentes na organização da partida. Foi necessário definir e coordenar os regulamentos e os planos de contingência da FPF e do IPDJ com as indicações da PSP e as necessidades dos clubes e dos árbitros, dos diferentes órgãos de comunicação social, das equipas de montagem dos patrocinadores, dos bombeiros e dos ARDs.

Definidas e vedadas as diferentes zonas do estádio, todas as pessoas que entraram no Jamor utilizaram credenciais pessoais e intransmissíveis que atestavam o seu nível de acesso, também elas desenhadas, produzidas e montadas in-house.


Em termos da organização do jogo, tudo acabou por decorrer conforme o planeado. Os dias de stress e correria, com poucas horas de sono e mal dormidas, foram compensados pela satisfação final de todos os participantes.

O envolvimento e a cooperação de todos foi fundamental, mas deixo registadas as contribuições da FPF (João Morais e Marco Abreu) e do Sporting (Paulo Cintrão e Vasco Fernandes) para esta pequena grande vitória do Sacavenense: foi capaz de organizar com sucesso um jogo da Taça de Portugal no Estádio do Jamor, televisionado e contra um grande português, em pleno período de pandemia.


Dentro de campo, a vitória foi para o mais forte. O (mais do que provável) melhor Sporting das últimas décadas não facilitou durante 90 minutos e o resultado, que aos 85' mostrava um honesto 1-4, descambou nos últimos momentos com três golos de rajada, enquanto já preparava a sala da conferência de imprensa para o pós-jogo.

Foi o maior sinal de respeito e de seriedade por parte do Sporting e que acentuou as diferenças entre dois mundos completamente distintos.

Do jogo, fica o registo do tento de honra do Sacavenense no Estádio do Jamor, merecido e que, pelo menos emocionalmente, valeu por 6.

No final perdemos - e sim, porque eu próprio também perdi - por um de diferença com o Sporting Clube de Portugal.


Ainda na ressaca deste jogo, com os atletas (todos eles trabalhadores ou estudantes) visivelmente cansados e desgastados, uma derrota no fim de semana seguinte resultou no fim do percurso do treinador à frente do clube.

O Mister Rui Gomes apresentou a sua demissão e a direcção aceitou. Futebol...

 

O futebol é feito de pessoas e não faria sentido eu continuar sem a pessoa que me convidou em primeiro lugar. Assim, também a minha experiência no Sacavenense chegou ao fim. Na semana seguinte passei as pastas sob minha alçada para que fosse dada continuidade ao que foi feito com a minha contribuição ao longo daqueles 12 meses e que, espero, tenha servido para melhorar o clube, preparando-o para mais 110 anos de vida.


Agradeci e agradeço a oportunidade ao Presidente e aos membros da Direção do clube com quem colaborei, tal como a todos os que conheci e com quem tanto aprendi.

Ao Manuel do Carmo, ao José Pedro Pina, ao Carlos Miguel Saque e ao Luís Ribeiro. Ao Chico, à Leonor, ao Vítor, à Octávia, ao Fernando, ao Hermínio e ao Futre. Ao Octávio e ao Hélder Mestre. Ao Tiago, ao Rúben e ao Rui Vieira.

Foi um gosto ter feito equipa com todos.



Colocando este último ano em perspetiva, reforço as certezas que tinha quando aceitei o convite do Rui, a quem também agradeço o que vivi e aprendi por sua causa.

Apesar do amargo de boca por não ter terminado a época, saí com a sensação de dever cumprido e de que acabei por receber mais do que dei ao clube: este foi como um segundo MBA, agora na base da pirâmide do futebol português. A distância entre o Bernabéu e Sacavém mede-se em anos-luz, mas o que aprendi com o Futre do Sacavenense não foi menos importante do que aquilo que Butragueño me mostrou no Real Madrid.


E agora, que até conheço melhor a base da pirâmide, estou preparado para escolher bem o próximo pesqueiro.



[Por último, obrigado também a quem leu tudo isto - acabou um bocadinho mais longo do que inicialmente previ. No entanto, espero sim que tenha sido uma partilha curiosa, de alguma forma enriquecedora e que seja lida por quem pense e viva o Futebol como eu - isto é muito, mas muito mais do que um jogo.

Se for esse o caso, agradeço a partilha com outros curiosos como nós e todo o tipo de feedback: os meus contactos directos estão aqui e para partilhar conhecimento ou debater ideias, estou sempre disponível.]


 

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